O reconhecimento da surdez unilateral como deficiência auditiva em concursos públicos tem gerado debates importantes. Acima de tudo, recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reforçou o direito de inclusão desses candidatos, alinhando-se a princípios constitucionais e normas atualizadas. Neste artigo, buscamos informar, de forma clara e acessível, candidatos e operadores do Direito sobre os efeitos práticos dessa mudança legislativa e jurisprudencial.
O que é surdez unilateral e como ela se enquadra nas leis
A surdez unilateral é a perda total ou significativa da audição em apenas um dos ouvidos. Apesar de o outro ouvido funcionar normalmente, essa condição causa desafios no cotidiano. Dificuldades de localização sonora, redução da percepção de sons ambientes e cansaço auditivo são apenas algumas delas. Durante muito tempo, as bancas examinadoras de concursos públicos adotaram um critério clínico rigoroso, aceitando apenas casos de surdez bilateral como deficiência.
Esse entendimento mudou. A Lei nº 14.768/2023 incluiu expressamente a surdez unilateral no rol de deficiências auditivas reconhecidas nacionalmente. Essa norma alterou o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), dando respaldo jurídico definitivo ao enquadramento. A mudança não decorreu apenas de um ajuste técnico, mas sim de uma evolução do conceito de deficiência, passando da ótica médica para uma abordagem biopsicossocial, conforme preconizado pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada no Brasil com status constitucional.
Dessa forma, a legislação atual reconhece que as barreiras enfrentadas por quem tem audição comprometida em apenas um ouvido também demandam políticas públicas de inclusão. No universo dos concursos públicos, isso significa garantir o direito de disputar vagas reservadas às pessoas com deficiência (PcD).
Decisão do TJ-SP e seus efeitos
O caso julgado pela 4ª Câmara de Direito Público do TJ-SP envolveu um candidato excluído da lista PcD de um concurso da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. A banca examinadora havia rejeitado o enquadramento, alegando que a surdez unilateral não configurava deficiência. Contudo, o edital remetia expressamente à legislação vigente.
O desembargador relator, Paulo Barcellos Gatti, reconheceu que a legislação estadual e federal atual já incluía a surdez unilateral como deficiência auditiva. Além disso, segundo o desembargador, a banca não podia contrariar a norma legal sob o pretexto de aplicar critérios próprios. O voto enfatizou a supremacia da lei sobre os critérios técnicos da banca. Dessa forma, a decisão foi unânime e determinou a reinclusão e reclassificação do candidato na lista de aprovados para PcDs.
Esse julgado tem potencial para se tornar um precedente relevante. Ele fortalece o entendimento de que a surdez unilateral é deficiência auditiva para todos os fins legais, inclusive nos certames públicos. Além disso, evidencia a necessidade de adaptação imediata das bancas examinadoras às mudanças legislativas. A não observância pode gerar judicialização e responsabilização do ente organizador.
O que os candidatos e advogados devem fazer
Candidatos com surdez unilateral que desejam concorrer pela reserva de vagas devem apresentar laudos médicos atualizados no momento da inscrição. É recomendável que o documento mencione expressamente a CID (Classificação Internacional de Doenças) correspondente e, se possível, faça referência à Lei nº 14.768/2023. Caso a banca indefira o pedido de enquadramento, o candidato pode impetrar mandado de segurança.
Esse remédio constitucional é eficaz para proteger o direito líquido e certo do candidato. A jurisprudência vem reconhecendo cada vez mais a legitimidade desse pedido, especialmente quando há respaldo legal e a banca descumpre frontalmente a norma vigente.
Para os advogados que atuam na área, o momento é propício para orientar seus clientes a exigir o cumprimento integral da legislação. Argumentos pautados na jurisprudência recente, como o caso mencionado do TJ-SP, e na literalidade da Lei nº 14.768/2023, conferem robustez à tese. A atuação preventiva também é valiosa: acompanhar editais, alertar sobre omissões e, se necessário, ingressar com ações judiciais para correção de ilegalidades.
Conclusão
A afirmação de que “surdez unilateral é deficiência auditiva” não é apenas uma constatação médica. É uma vitória jurídica, social e humana. O reconhecimento legal dessa condição como deficiência é um passo importante rumo à inclusão real no serviço público. Editais, bancas e órgãos públicos devem respeitar a nova legislação. A omissão ou resistência nesse sentido é injustificável, além de ilegal.
Candidatos com surdez unilateral agora contam com amparo legal claro. Devem fazer valer seus direitos, recorrendo ao Judiciário quando necessário. Advogados especializados em concursos públicos têm papel central na defesa desses direitos, colaborando para que o acesso às vagas públicas se torne mais justo e representativo. Afinal, toda deficiência impõe desafios únicos, e cabe ao Direito garantir que ninguém fique para trás.
Referência: TJSP – Processo 1018479-68.2024.8.26.0071