A intimação pessoal antes do edital é um dos pilares do devido processo legal no procedimento de alienação fiduciária de imóvel. Embora a execução extrajudicial tenha sido criada para garantir maior celeridade e eficiência ao credor, o respeito aos direitos fundamentais do devedor permanece indispensável. Sem uma intimação válida, o devedor pode perder seu imóvel sem sequer ter a oportunidade de exercer sua defesa ou purgar a mora.
A Lei 9.514/1997, que regula o Sistema de Financiamento Imobiliário, estabelece que a intimação pessoal do devedor é requisito obrigatório antes da consolidação da propriedade pelo credor. Somente quando o devedor estiver em local ignorado, incerto ou inacessível, a lei admite a intimação por edital como medida excepcional. Essa exigência protege o direito de propriedade, o contraditório e a ampla defesa, fundamentos previstos no artigo 5º da Constituição Federal.
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.906.475/AM, consolidou o entendimento de que a intimação por edital apenas se legitima após o esgotamento de todas as tentativas razoáveis de localizar o devedor. Portanto, a publicação em jornal não pode ser utilizada como primeira alternativa ou quando ainda há possibilidades concretas de encontrar o devedor no endereço conhecido.
A intimação como garantia do direito de defesa
A intimação pessoal antes do edital garante ao devedor a chance de purgar a mora e evitar a perda do imóvel. Essa possibilidade representa um último esforço de regularização da dívida antes da consolidação da propriedade pelo credor e da realização do leilão extrajudicial. O prazo legal de 15 dias para pagamento depende da ciência inequívoca do devedor sobre a cobrança e o início do procedimento.
Quando a intimação pessoal é substituída indevidamente pelo edital, o devedor perde a oportunidade de regularizar a dívida, violando seu direito de defesa. Essa nulidade contamina todos os atos subsequentes, inclusive a consolidação da propriedade e o leilão do imóvel. Por isso, a intimação pessoal antes do edital não pode ser tratada como mera formalidade, mas como condição de validade do procedimento.
Recentemente, uma decisão da 1ª Vara Cível de Anápolis (GO) reforçou essa importância ao suspender um leilão extrajudicial por ausência de esgotamento das tentativas de intimação pessoal. No caso, o cartório responsável certificou que os horários para encontrar a devedora eram incertos e não previsíveis, mas não declarou que ela estivesse em local ignorado, incerto ou inacessível. As tentativas de intimação ocorreram apenas em horário comercial, sem buscas em horários alternativos ou finais de semana. Além disso, não houve tentativa de intimação por hora certa, prevista no artigo 252 do Código de Processo Civil.
O equilíbrio entre agilidade e garantias
A execução extrajudicial busca oferecer agilidade ao mercado imobiliário, mas não pode suprimir garantias fundamentais. A intimação pessoal antes do edital representa o equilíbrio necessário entre a eficiência do procedimento e a preservação do direito de propriedade. Negar essa intimação transforma um mecanismo legítimo em ferramenta de violação de direitos, comprometendo a segurança jurídica.
A decisão da Vara Cível de Anápolis também destacou a importância de documentar diligências exaustivas antes de recorrer ao edital. O juiz apontou que o imóvel estava localizado em condomínio com portaria e zeladoria, fatores que facilitariam a entrega de notificações. A ausência de diligências mais amplas indicou falha no processo, tornando irregular a intimação por edital.
O juiz concedeu tutela provisória para suspender o leilão, reconhecendo o perigo de dano irreparável à devedora. A perda do imóvel, caso arrematado por terceiro, traria prejuízo de difícil reversão. Além disso, a decisão condicionou a eficácia da tutela ao recolhimento parcial das custas processuais, permitindo redução de 50% e parcelamento em até 20 vezes. Essa medida conciliou o acesso à Justiça com a responsabilidade financeira da parte, equilibrando os princípios constitucionais.
Reflexões para credores e devedores
A intimação pessoal antes do edital protege não apenas o devedor, mas também o próprio sistema de execução extrajudicial. Credores devem adotar diligências efetivas e documentadas para evitar nulidades que possam anular a consolidação da propriedade ou o leilão. Tentar a intimação em horários variados, utilizar intimação por hora certa e buscar informações adicionais são práticas que reforçam a regularidade do procedimento.
Para devedores, a decisão reforça a necessidade de acompanhamento jurídico especializado desde os primeiros sinais de inadimplência. A intimação pessoal antes do edital garante tempo para negociar, purgar a mora ou adotar medidas judiciais cabíveis antes da perda definitiva do bem.
A decisão da 1ª Vara Cível de Anápolis exemplifica a aplicação equilibrada do devido processo legal no contexto da alienação fiduciária. Ela reafirma que a intimação pessoal antes do edital é uma proteção indispensável ao devedor, sem comprometer a segurança das operações imobiliárias.
Em um cenário onde o crédito imobiliário cresce a cada ano, compreender os limites e garantias do procedimento extrajudicial é fundamental para advogados, credores, devedores e arrematantes. A intimação pessoal antes do edital permanecerá como tema central no debate sobre os direitos e deveres envolvidos na execução da garantia fiduciária.
A decisão judicial reforça que o cumprimento rigoroso dos requisitos legais assegura não apenas o direito individual do devedor, mas também a estabilidade e a confiança no mercado imobiliário. O equilíbrio entre agilidade e garantias exige atenção, cautela e respeito ao devido processo legal.
Referência: Processo 5285225-98.2025.8.09.0006